Rômulo Mendonça foi pego de surpresa quando soube da escala para o vôlei (Foto: Reprodução) |
Em 2008, o jornalista Rômulo Mendonça, mineiro de Divinópolis, veio a São Paulo para participar de uma seleção para uma vaga de locutor no canal esportivo ESPN. Ao lado do comentarista Mauro Cezar Pereira, teve de simular a narração de uma partida de futebol.
"Foi aí que tive uma ideia brilhante: abolir o gol", conta ele, um pouco rouco, ao repórter Fillipe Mauro, um dia depois de retornar do Rio de Janeiro, onde narrou freneticamente 30 partidas de vôlei dos Jogos Olímpicos. "Que coisa mais chata o narrador que só grita 'gol!'. Decidi inovar e gritar 'fatal!'."
O bordão, apenas um entre as dezenas que já cunhou e que ganharam a internet durante a Olimpíada pelo tom escrachado e pelas referências ao universo pop, agradou a Mauro Cezar. Ele foi aprovado, mas a crise econômica daquele ano obrigou o canal a congelar suas vagas e a manter o convite em aberto.
A contratação do jornalista formado pela PUC de Minas veio apenas em 2011, para as transmissões das ligas americanas de basquete, futebol americano e beisebol. Antes disso, trabalhava em rádios de Belo Horizonte.
"Tudo deu certo no final, em algum sentido, porque em 2008 minha noiva tinha acabado de sofrer um AVC, por muito pouco não morreu, e precisava da minha ajuda."
Hoje ele é um dos responsáveis pela audiência do canal ter atingido a vice-liderança na TV fechada após a Olimpíada. Enquanto anda pelos estúdios da ESPN, Rômulo recebe cumprimentos dos outros funcionários.
Tímido, o torcedor do Atlético Mineiro fica avermelhado quando uma colega de emissora salta da cadeira e grita que a mãe dela só passou a ver jogos de vôlei por causa dele. "Coitada! Eu quero é saber se ela ainda está viva", responde o locutor.
Narrar partidas de vôlei da Olimpíada foi, na realidade, uma surpresa para ele, que esperava ser escalado para os jogos de basquete, esporte que praticou na juventude.
"Fiquei desesperado. Eu não sabia nada de vôlei. Assisti a tantos jogos das ligas que agora sei de cor o nome de toda a escalação da China, do Japão e da Coreia. Tá cheio de Kim, Liu e Yang."
O pai, de 79 anos, recuperando-se de problemas de saúde, ficou emocionado quando soube da oportunidade dada a Rômulo. "Esse aqui vai narrar a Olimpíada, doutor", contava seu Manoel aos médicos, orgulhoso, enquanto o filho o acompanhava nas consultas.
O locutor diz que a mulher, a também jornalista Fabiana Ribeiro, com quem agora divide um apartamento no bairro de Pinheiros, é audiência garantida para seus bordões.
O ineditismo do vôlei na carreira de Rômulo estimulou o improviso. Foi assim que, nas transmissões da ESPN, a cada saque, ele "abençoava" o time do técnico Bernardinho com seu "mantra do ragatanga", alusão ao hit da extinta banda Rouge. Cada toque na bola se tornava, na narração do mineiro, uma sílaba de "aserehe ra de re", o refrão dançante e grudento da música.
Wallace de Souza, um dos artilheiros, acabou virando o "macho alfa" do time. E, toda vez que a equipe brasileira pontuava, o locutor mandava um "aqui não, neném! No nosso puxadinho, não!".
Na pequena sala estofada onde narra os jogos das ligas americanas, ele explica como se cria um bordão. "Tem que ser algo inusitado, que vá além do jogo."
Pede um copo d'água, testa o som e põe na tela a cena de uma cesta de três pontos de uma partida de basquete. "Uma jararaca alienígena!", ele berra, arrancando risos de quem está no estúdio.
Cada vez mais as pessoas reconhecem Rômulo pelas ruas. Antes de entrar no ar ao vivo, ele pergunta aos seguidores do Twitter se as "romuletes" estão a postos.
A cantora Maria Rita se tornou uma das tietes e passou a interagir com o narrador pela rede social depois de um ponto brasileiro contra a Itália, na final do vôlei na Olimpíada, quando o locutor disparou: "aqui não tem Laura Pausini, aqui é Joelma!", em alusão à cantora italiana e à ex-vocalista da banda Calypso.
Rômulo diz que odeia heróis e que gosta é de personagens e caricaturas. Para ele, ufanismo só vale se for sincero e vier carregado de uma boa dose de ironia. "Tudo muito impecável e muito chato na TV brasileira. Qualquer um grita 'é campeão'. É preciso mais que isso. Também vejo muito chororô. Choro é bom. Mas é subjetivo. Não interessa ao público."
No início do ano, ele precisou se queixar à rádio Jovem Pan. Na cobertura do afastamento de Dilma Rousseff, a emissora estava reproduzindo o bordão "ela disse adeus", que o locutor usa nos jogos da NFL. "Pedi na mesma hora que não usassem mais. Estava fora de contexto e não representa minha opinião."
Sobre o desempenho do Brasil na Olimpíada, o narrador diz que "o grande problema é que só investimos em atletas de alto desempenho". "Não temos base. Não há uma cultura do esporte desde cedo. Agora que a Rio-2016 acabou, imagino que teremos sérios problemas de patrocínio para os atletas nos jogos de Tóquio em 2020."
Com contrato prestes a vencer (e elogios de funcionários da concorrência), Rômulo negocia com a ESPN sua renovação. O estilo dele engordou a audiência do canal na Olimpíada. Só no vôlei, os índices mais que dobraram até o fim dos jogos.
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