O uso do árbitro de vídeo vai mudar a maneira de narrar os jogos de futebol?, por Aécio de Paula

Colunista faz analogia entre a narração esportiva e o uso do árbitro de vídeo (Reprodução/Globoesporte.com)

“Outra vez Alexis Sánchez em posição legal. Alexis Sánches em posição legal! Faça! Aí está! Dominou, pode ser o maior artilheiro do Chile! Maior artilheiro! Maior artilheiro! Maior artilheiro! Rebote e gol! Goooooooooo... Pararam tudo, senhoras e senhores. Vamos aguardar. O que aconteceu?”

A narração descrita acima é do locutor Ernesto Dias Correa, da rádio Cooperativa, do Chile no momento em que se narra o segundo gol da equipe chilena na sua estreia da Copa das Confederações contra Camarões, no último domingo (19). O narrador segue sua saga “Era para ser o maior artilheiro. Por favor! Vamos ver o que explicam. Eu não sei. Parece uma canção do meu tempo: casei e não tive núpcias . Como vamos gritar gol? Já não sei no que acreditar. (passa um tempo). Aí está. Gol! Gol de Eduardo Vargas! Gooooooool do Chile.”

Não tem jeito. O assunto da primeira rodada da Copa das Confederações da Rússia é mesmo o VAR, sigla em inglês para árbitro assistente de vídeo. Pelo menos nos primeiros testes, a experiência tem se saído muito bem. Em menos de 1 minuto de análise já deu pra evitar injustiças que mudariam o rumo das partidas.

Mas se o futebol evolui, os narradores vão precisar evoluir junto. O caso trazido do Chile não foi isolado. No Brasil, os narradores de rádio e TV se viram em um novo desafio: manter a emoção e o imediatismo na hora do momento mais importante de uma partida: o gol. É como se aquele momento de emoção fosse agora dividido em três. Primeiro se grita gol, depois se espera a decisão do árbitro de vídeo e só depois se proclama o resultado. E se o gol for confirmado? Se grita na mesma intensidade que naquele primeiro momento?

Futebol não é como vôlei, basquete, tênis ou handebol. Nesses esportes os gols, pontos e cestas ocorrem várias vezes durante a mesma partida e a utilização do recurso não suprimiria a essência do jogo. No futebol é diferente. O grande momento de uma partida é o gol. Ele pode acontecer algumas vezes durante um jogo, apenas uma vez ou mesmo não acontecer. Por isso que ele tem seu charme. O grito do narrador é espontâneo e definitivo. Agora temo que todo narrador grite o gol meio desconfiado da possibilidade de um pedido de análise do lance.

Imagine uma situação: final da Copa de 2018. Brasil x Argentina. 44 minutos do segundo tempo com o jogo em 0 a 0. Neymar passa a bola pra Coutinho, que cruza pra área e Paulinho mete de cabeça. A bola resvala na mão do goleiro, mas vai entrando vagarosamente no gol. Lance perfeito para que qualquer narrador brasileiro coloque toda a sua emoção para fora e grite um gol histórico. Considerando que o jogo está quente e é um clássico, é fato que a Argentina reclamará de algo que aconteceu no lance. O juiz vai pedir a revisão. Pronto. Emoção cortada. Não importa que o gol seja validado depois. Não será a mesma coisa.

Aécio de Paula
Colunista do Esporteemidia.com
@TorcidaBrasil2
Certamente o gol de Branco, em 1994 contra a Holanda, o segundo do Ronaldinho contra a Alemanha em 2002 e o do Adriano contra a Argentina na Copa América em 2004 não teriam o mesmo sabor.

Mas é preciso lembrar que isso é um fato. Infelizmente não há como mudar. É o preço que se paga. O futebol precisa realmente evoluir no sentido de tentar diminuir injustiças que possam prejudicar algum time. Não é o futebol que precisa se adaptar aos narradores. São os narradores que precisam se adaptar ao futebol.

Ora, um exemplo claro é a regra do impedimento, que até 1991 sofria mudanças. Os locutores também demoraram pra se adaptar, mas se adaptaram. E vale lembrar, que essa regra, mesmo que em menor grau, também pode cortar a emoção se o bandeirinha demorar pra assinalar a irregularidade por exemplo. O gol é gritado, mas logo depois pode ser anulado.

Como amante de locuções esportivas, eu temo pelo fim da espontaneidade dos nossos narradores tanto a nível nacional, quanto a nível internacional. Mas entendo que as mudanças ocorrem por um bem maior. Quando o Ernesto Dias perguntava “Como Vamos Gritar Gol?”, ele estava sendo genuíno. Eu não sei a resposta, Ernesto. Mas espero que tanto você quanto seus colegas encontrem um jeito tão legal quanto vocês conseguem fazer hoje.

E que não se perca a emoção!

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